Outcasts – Livro 1: Párias – Capítulo 10 (Parte 3)

            Alak foi o primeiro a passar pelas armadilhas. Para sua sorte, apenas uma armadilha física – dardos disparados da parede – fora ativado e mesmo assim ele conseguiu se esquivar de grande parte dos projéteis. O mercenário já está um pouco ferido pela péssima luta contra os orcs, se tivesse bobeado ainda mais, poderia estar em um estado um tanto deplorável fisicamente.

            Enquanto espera os outros ele apenas se esconde e observa o túnel mais a diante. Foram pelo menos mais oito armadilhas que passou para chegar até lá. Cada armadilha lhe pareceu estar a uma distância de quinze metros uma da outra e dentro desses quinze metros haviam armadilhas físicas que, infelizmente não havia como desativá-las; não com as habilidades que restaram no grupo. “Provavelmente a ladina mirim teria sido útil”, comenta consigo mesmo Alak, tocando um dos ferimentos causados pelos dardos. “Preciso limpá-lo e fechá-lo”, pensa o eremita sacando sua caixa de primeiros socorros novamente.

            Toda e qualquer dor causada durante a auto-costura é ignorada. Nem um som é emitido por sua garganta. Ao terminar ele guarda sua pequena caixa e observa o imenso túnel que ainda existe em sua frente. Porém, em todas as paredes ao seu redor, não há mais nada escrito, nenhum símbolo rúnico, nem nada parecido. “Pelo que parece os orcs e os humanos não esperavam que ninguém chegasse até aqui”, comenta Alak enquanto observa bem de perto as paredes e o chão.

            Em sua busca por qualquer possível tipo de armadilha, Alak abre um grande sorriso: “Rastros”, conclui o eremita agradecendo silenciosamente seu mentor Azirel por ter lhe ensinado tudo que lhe ensinou. Vendo que os rastros eram do pequeno contigente que viera para consertar as armadilhas, Alak conclui que não será tão difícil encontrar o acampamento deles. Ao que parece, esse é o objetivo dos Xorlarrin.

            Contente por não ter encontrado nada que pudesse atrapalhar, Alak se mantém a vinte metros distante da última armadilha, para o caso de algum dos seus companheiros fazerem alguma burrada. Ele escuta alguns disparos de armadilhas, grito e aos poucos o barulho da armadura da clériga. Ele espera mais um tempo considerável até que escuta, surpreso, o barulho metálico da clériga mais próximo e olha para o lado do túnel de onde veio. “O próximo não era para ser o mago?”, se pergunta Alak.

            A Xorlarrin chega toda elegante, sem nenhuma marca de ferimento e com um sorriso deboachado para o mercenário. Alak sorri para a clériga também enquanto essa se apoia na parede e espera o próximo a chegar. Sem demora alguma o mago Sol’al surge com uma feição tola em seu rosto e se aproximando da clériga.

            – Que fique bem claro que minha varinha de cura não durará para sempre. – diz a clériga sorrindo – Tente ser mais cuidadoso da próxima vez, mago.

            – Sim, minha Senhora. – responde humildemente o Teken’Th’Tlar tentando evitar olhar para Alak.

            O eremita sorri, imaginando o que ocorreu. O silêncio toma conta do lugar por um tempo. Sol’al começa a observar o novo trecho do túnel em busca de mais armadilhas, enquanto isso, Alak fixa seu olhar para o lado do túnel de onde vieram os orcs. A clériga, como sempre, fica parada olhando para o que os dois estão fazendo.

            – Não perca seu tempo, mago. Já procurei por marcas, armadilhas e tudo mais. – comenta Alak sem deviar seu olhar do túnel.

            – E você por acaso conhece símbolos arcanos e linguagem abissal, mercenário? – pergunta o mago com desdém.

            – Não, mas sei quando tem algo escrito em uma parede. – responde Alak com sorriso no rosto enquanto continua observando o túnel.

            Sol’al fica em silêncio e prossegue por mais um tempo em sua busca por runas, sinais e palavras escritas nas paredes. Quando o guerreiro Xorlarrin chega, o mago interrompe sua busca e Alak volta-se em direção ao recém-chegado. Apenas um pequeno ferimento no braço do guerreiro demonstra que mais uma armadilha física fora acionada.

            – Agora só falta o ogro. – comenta o Xorlarrin.

            – Acho que seria mais saudável para nós nos afastarmos ainda mais da última armadilha. – comenta Sol’al.

            A clériga concorda com um aceno de cabeça e caminha para mais longe de onde vieram, enquanto todos os outros fazem o mesmo.

            Aos poucos os sons das explosões tomam conta do túnel. Se os orcs acreditavam que ninguém passaria com vida pelas armadilhas, agora teriam certeza. O som era tão forte e ecoante que todos tiveram que tampar seus ouvidos para que não tivessem seus tímpanos feridos. Por fim uma onda de calor chega até eles, “Parece que Brum conseguiu chegar até a última armadilha”, comenta mentalmente Alak aliviado, porém apreensivo para ver seu companheiro.

            – Acho que… Preciso dormir… mais um pouco. – todos escutam a voz de Brum chegando próximo ao trecho do túnel onde eles se encontram. O ogro mago está com grandes ferimentos. Queimaduras fortes, e vários cortes causados por armadilhas físicas que foram acionadas e conseguiram ferir a pele grossa do grande mercenário.

            – Brum? – Alak vai de encontro ao seu companheiro.

            – Esquenta não, Alak. Você sabe como é. – diz ele sorrindo – Eu vou sobreviver e me curar rapidinho, só preciso descansar um pouco.

            – Mercenário! – grita a clériga em baixo-drow para chamar a atenção de Alak – Deixe o inferior ai, depois ele nos alcança.

            – Não no momento, Senhora. Vou estancar os ferimentos dele antes. – reponde o eremita também em baixo-drow.

            – Ela disse a palavra, não é Alak? – pergunta Brum falando baixo pelo cansaço.

            Alak tira sua caixa de primeiro socorros antes de responder a pergunta do ogro. Ele pondera qual será a melhor resposta a ser dada.

            – Disse sim, Brum. Mas vamos esperar terminar essa missão, ok? – responde Alak com um sorriso enquanto começa a costurar com dificuldade algumas das feridas mais abertas de Brum.

            O ogro dá uma risada contida enquanto Alak trata de seus ferimentos. Aquilo não está preocupando nem Brum nem Alak realmente. Eles sabem que é da natureza da raça de Brum regenerar-se com facilidade, além de que o treino que Brum recebeu para se tornar um Renunciante, permite que esse consiga se curar com uma facilidade ainda maior.

            – Mercenário! – grita a Xorlarrin chamando-o novamente.

            – Estou indo, Senhora. – responde Alak terminando o último ponto na perna do companheiro – Espero por você mais a frente, Brum.

            – Pode deixar, Alak. Estarei lá bem antes do que essa vaca espera. – responde Brum sorrindo e balançando a mão quando percebe a expressão de interrogação no rosto de Alak, quando ele disse: “vaca” – Esquece… E valeu por gastar comigo essas linhas exóticas que você usa.

            – Não esquenta. – responde Alak dando um tapa no ombro de Brum e saindo para encontrar-se com o resto do grupo, deixando apenas o imenso ogro para trás.

            – Você se preocupa demais com aquele inferior, mercenário. – comenta a clériga com desaprovação em sua voz.

            – Ele ainda é o mais útil desse grupo, Senhora. – responde ríspidamente enquanto a clériga o encara com dúvida se ele a incluiu ou não.

            O grupo fica em silêncio enquanto eles caminham pelo túnel sem grandes problemas, afinal não há outro caminho para seguirem. Muito tempo se passa apenas com caminhadas, Sol’al começa a se sentir fatigado, mas logo conjura uma pequena magia para acabar com a fadiga física e prosseguir sem empecilhos. O guerreiro Xorlarrin toma um pouco de água do seu cantil e a clériga se esforça ao máximo para não demonstrar cansaço. Alak, por estar mais acostumado com esse tipo de trilha, não tem grandes problemas no caminho.

            Aos poucos eles começam a escutar o som de uma queda d’água mais a frente.

            – Há outros túneis por perto. – setencia o eremita ao começar a escutar o som.

            – Como você sabe? – questiona a clériga.

            – Pois não vejo nenhum rio por aqui. E se tem uma queda d’água, conseqüentemente deve haver alguma fonte. – responde Alak como se dissesse algo óbvio.

            A clériga fica em silêncio, é perceptível que ficar conversando enquanto caminham, a deixa ainda mais cansada.

            – Senhora, gostaria que lhe recobrasse as forças através de alguma magia? – se oferece Sol’al.

            Ela o encara como se estivesse dizendo algo sem nexo.

            – Não estou cansada. – responde ela convicta com o som da queda d’água cada vez mais forte.

            – Não estou dizendo isso, minha Senhora. – responde Sol’al não querendo bater de frente com o orgulho de uma clériga de Lolth.

            – Acho que chegamos ao fim. – comenta o guerreiro Xorlarrin, enquanto Alak apenas observa aquela que parece ter sido a entrada pela qual os orcs e humanos passaram.

            Sol’al e a Xorlarrin observam com um certo espando a imensa entrada, ou saida. O som da queda d’água está extremamente forte. Alak analisa todos os pontos daquela enorme caverna aonde a passagem dá de encontro. Olhando para baixo, a uns trinta metros da boca onde se encontra, há o chão que serve como uma grande margem para o bizarro lago o qual a queda d’água tem como destino. Alak resolve terminar sua observação antes de tentar compreender como o lago não transborda ou para onde a água prossegue em seu curso. “Talvez haja alguma passagem em seu fundo”, pensa consigo mesmo tentando deixar a idéia de lado.

            Ele observa todas as paredes da caverna, é como se fosse uma imensa cúpula oval, cheia de entradas para outros possíveis túneis. Essas entradas estão dispostas de forma caótica em níveis de alturas diferentes. Segundo uma contagem rápida feita pelo eremita, deve haver aproximadamente vinte entradas. “Que bosta. Isso apenas vai me dar mais trabalho”, pensa Alak enquanto termina de observar a imensa área daquele “ovo” subterrâneo.

            – Terminou de analisar como deceremos, mercenário? – pergunta a clériga.

            – Precisaremos escalar. – responde o eremita.

            – Talvez vocês, pois eu e o meu guerreiro somos de uma das Casas Nobres de Menzoberranzan. – comenta a clériga rindo com satisfação como se tivesse acabado de humilhar um goblin qualquer.

            Alak ignora e começa a tirar sua corda feita com teia de aranha gigante de sua sacola, enquanto escuta os passos de Brum se aproximando. Sem olhar para o que Alak estava tirando de sua trouxa, a clériga comenta:

            – Espero que sua corda aguente seu amigo. – ela ri mais uma vez e ordena – Rizzen, pegue o mago.

            “Rizzen? Rizzen Xorlarrin? Pronto, já sabemos o nome de um deles”, comenta consigo mesmo Alak enquanto observa a feição de desgosto no rosto do guerreiro e a feição de surpresa no rosto do mago, que deve ter pensado a mesma coisa.

            A clériga ativa a insígnia de sua Casa e desce suavemente até o solo, enquanto Rizzen a segue do mesmo modo, mas com o mago em seus braços. Alak ri com a cena do guerreiro segurando o mago e vira-se na direção de onde Brum vem.

            – Brum? Teremos que descer pela corda. – comenta Alak antes do ogro ver para onde eles teriam que descer.

            – Putz! Corda? – reclama contrariado – Eu poderia simplesmente pular para ver se caio em cima da clériga?

            Alak gargalha enquanto Brum o olha atravessado.

            – Hey, eu não estou brincando. – diz o ogro em tom contrariado.

            O eremita ignora o companheiro e prapara a corda para a grande descida. Brum apenas observa os três que chegaram ao chão.

            – Descerei primeiro, Brum. Você só começa a descer quando eu já estiver lá embaixo, ok? – instrui Alak – Qualquer atitude estranha por parte de nossos “amigos”, ataque-os.

            – Será um prazer. – responde Brum com um grande sorriso no rosto enquanto Alak inicia sua descida, contente por ver que o ogro já havia melhorado bastante de seus ferimentos.

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