É tiro, porrada e bomba!!

Não faço a mínima por onde começar esse texto, afinal, será que tenho algo a falar sobre o assunto que seja diferente do que já tenham falado? Bem, acho que antes de começar, vou tentar introduzir o tema do texto:

Esse texto não é para defender a Valeska Popozuda, pois isso ela já sabe fazer muito bem, sem precisar de mim ou de qualquer outro ou outra. Não é também para criticá-la ou criticar o professor de filosofia que colocou a questão na prova, pois também não vejo necessidade para tanto. De qualquer forma, essa frase já define o assunto do texto, que é: a ultra-sensibilidade que temos, que nos torna incapazes de ler nas entrelinhas, de refletir sobre o assunto, de aceitar um cutucão e parar para questionarmos nossos valores e tentarmos compreender a sociedade da qual somos parte.

E… é claro, tomarei o caso como exemplo.

“11 – Segundo a grande pensadora contemporânea Walesca Popozuda, se bater de frente:

a) É só tiro, porrada e bomba;

b) É só beijinho no ombro;

c) É recalque;

d) É vida longa.”

Porra! É claro que é a A!

TIRO, PORRADA E BOMBA!

Tem dúvidas?

Simples assim:

Questão de prova: “segundo a grande pensadora contemporânea x (insira o nome de uma pessoa famosa, de preferencia do sexo feminino, de algum movimento criticado por nossa moral social elitista brasileira), se (insira um trecho de alguma entrevista, música, ou qualquer coisa que a maioria escuta, canta, mas não curte que os outros saibam… sabe, para manter a imagem do bom comportamento elitista brasileiro)“.

Reação de quem lê tal questão: “Como assim?”, “É sério isso?”, “Falar que Walesca é uma pensadora contemporânea?”, “Funk nem é música”, “Funk nem é cultura”, e assim por diante.

Agora retomando a questão: Bateu de frente é o que mesmo? Putz! É mesmo!

TIRO, PORRADA E BOMBA!

Porra estudei tanto para trampar de (insira algum emprego que nós, dentro de nossa questionável moral elitista brasileira, considera um sub-emprego, ou um emprego não digno), e vai uma funkeira (sim, não precisamos saber dos antecedentes curriculares dela para criticar, afinal de contas, ser funkeira já a torna inferior dentro de nossa magnífica moral elitista brasileira) e é chamada de pensadora numa prova de filosofia? Vai tomar no cú! Que professorzinho de merda!

Afinal, bateu de frente?

TIRO, PORRADA E BOMBA!

Ah sim! Mas vivemos em um paizinho de merda. Que não tem jeito. Olha só, olha o tipo de música que nosso povo ouve: funk, que nem é o funk de verdade, aquele de James Brown (ok, vamos ignorar sex machine). Nosso funk só fala putaria! A música brasileira, que o povão ouve (pois nós não fazemos parte do povão, afinal) só tem putaria (ignorando qualquer música internacional que tenha putaria e nós relevamos, desde I Like Big But, até Candy Shop, passando I’m To Sexy, I Touch my Self, entre outras tantas músicas do movimento hip hop, pop, e, pasmem, rock).

(momento esquizofrênico de auto-questionamento)

Mas essa música não tem putaria!

(momento ainda mais esquizofrênico brigando com o nosso bom senso… quer dizer, com nossa amoralidade)

Cala boca! É Valesca Popozuda! É funk! É lixo…

E bem… Bateu de frente…

Ah! Sabemos o resto.

O professor, Antonio Kubitschek, que preparou a prova, disse que quis “gerar uma discussão sobre “formação de valores” entre os alunos e chamar atenção sobre o papel da imprensa “sensacionalista” no debate em torno do assunto” (fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/eu-quis-provocar-imprensa-diz-professor-sobre-musica-de-valesca-em-questao-de-prova-12126750 ).

Não sei entre os seus alunos ele gerou tal discussão, mas sei que fervilhou as redes sociais, onde foram distribuídos “tiros, porradas e bombas”.

Por que é o que acontece, quando batem de frente com nossos valores.

Poderia acabar por aqui, mas quero dar uma de Spielberg, que nunca termina seus filmes quando seria mais legal terminar, e vou foder com esse texto confuso com um final meia boca.

Hoje, um dos meus alunos de 9 anos, estava insistindo para que eu fizesse um desenho para ele em seu “caderno de artes”, uma outra aluna se aproximou, toda contente e disse: “Professor, olha o que eu consegui fazer”, pegou um lápis na mesa e rabiscou um círculo no caderno do aluno insistente (bateu de frente…). De imediato, o pentelho do “desenha pra mim, professor” disse: “Eu vou te bater!” (tiro, porrada e bomba / bateu de frente). Na hora, e digamos que por um momento de tranquilidade atípico, não impedi com nenhuma ameaça de ir para diretoria ou algo do gênero, nem mesmo o segurei de se atracar com a menina, simplesmente disse: “Não é mais fácil você pedir para ela apagar?”. Eis que na hora ele parou e pediu, como um pequeno ogrinho, “Apaga” e o risco foi apagado, uma briga evitada e todos vivemos felizes, saltitantes em campos verdejantes e blá blá blá.

Isso foi bem final do Spielberg, veja Inteligência Artificial…

É extremamente perceptível que está enraizado em nossa cultura o reagir com “tiro, porrada e bomba”. Queremos uma sociedade melhor e não queremos perceber que quando algo afronta nossos valores reagimos com tiro, porrada e bomba?

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