Desde que voltou de sua viagem ao Lowerdark, Sol’al Teken’Th’Tlar está maravilhado com a nova aquisição feita para o zoológico de sua Casa. A drider o fascina e o faz dedicar dias a observá-la e a anotar suas reflexões a respeito do espécime. Suas anotações são feitas em papiros soltos, para só depois serem passadas para o seu “tomo herege”.
Uma das coisas que mais o fascinou na “amaldiçoada”, – mesmo não gostando do termo, Sol’al o usa por força do hábito -, foi a constituição de sua teia. Em toda sua vida, o jovem mago nunca havia visto nenhuma criatura-aranha que produzisse teias tão resistentes e perfeitas quanto as daquela drider. Ela podia não ser tão venenosa quanto os driders costumam ser, algo extremamente fora do comum, porém as armadilhas extremamente poderosas que ela era capaz de criar com sua teia eram inigualáveis. Sol’al não é capaz de esconder de si mesmo que sente uma certa tristeza de ter aquele ser preso em uma gaiola, incapaz de apanhar novas presas para Lolth, mesmo involuntariamente, já que é perceptível que a ex-clériga da Rainha das Aranhas agora pensa que serve a Vaherun.
Contudo os estudos são essenciais para que ele possa servir integralmente a sua amada deusa. “Somos todos alimentos de Lolth”, Sol’al repete a si mesmo como uma oração sempre que acorda. O mago sempre esteve disposto a se sacrificar e fazer sacrifícios à Rainha dos Fossos de Teias Demoníacos. Em seu íntimo ele sabe que o maior de todos os seus serviços em relação a deusa seria através de seus conhecimentos sobre driders, aranhas e criaturas semelhantes, mas ao observar aquela drider e ao lembrar-se do drider que dissecou quando estava no Sorcere, Sol’al sente que os driders são um ponto importante no serviço à deusa. À silenciosa deusa.
Um dos acontecimentos recentes que o intrigou foi o repentino silêncio da Rainha das Aranhas. Ele se encontrava no Lowerdark quando isso ocorreu e as clérigas que os acompanhavam deixaram de receber seus poderes em um momento importante para a captura de outros espécimes. Uma delas morreu nas mãos de uma pseudocriatura-aranha-mind flayer que conseguiu escapar. Essa seria uma das maiores perdas, se eles não tivessem encontrado a drider. Mas a falta de poderes das clérigas o intrigou. No momento, Sol’al e os outros magos acreditaram que aquelas clérigas específicas haviam perdido a fé na deusa, mas mesmo assim continuavam respeitando-as até terem certeza de suas suspeitas. Porém, ao chegarem em Menzoberranzan e descobrirem que sua cidade havia sofrido uma insurreição por parte dos escravos, eles perceberam que aquilo não havia sido um fenômeno isolado.
A deusa estava em silêncio por algum motivo que apenas ela mesma sabia. Sol’al havia escutado alguns hereges dizerem que a Rainha das Aranhas estava morta, mas em seu íntimo ele sabia que não era verdade. Lolth estava testando seus fieis, pois provavelmente esses teriam demonstrado fraqueza e falta de fé. Era nesse momento que seu louvor pelos driders crescia. Os “amaldiçoados” eram poderosos e continuavam a servir a deusa mesmo em seu silêncio, pois carregavam em si uma porção da própria em sua maldição.
No momento, Sol’al encontra-se em seu quarto refletindo sobre tudo isso, copiando suas anotações feitas diante da drider e escrevendo novas em seu tomo secreto. Algo que ocorreu quando ele estava observando o espécime há mais ou menos dois dias atrás, veio a tona em sua mente. O jovem mago recebeu a visita de Jabor e Eclavdra. Isso não o chamou muita atenção, pois lhe pareceu que Jabor queria apenas gabar-se para a feiticeira a respeito da nova aquisição. Porém, ele recebeu a visita da fêmea duas vezes mais em outras oportunidades e isso o incomodou.
– O que você acha que conseguirá com seus estudos e anotações, mago? – perguntou ela em uma das oportunidades.
Humildemente, Sol’al apenas respondeu:
– Servir melhor a Rainha das Aranhas, Senhora.
A feiticeira sorriu com desdém e em silêncio se retirou do local, deixando Sol’al apenas a sensação de que algo estava errado. Por mais ingênuo que se faça parecer, ele conhece muito bem como funciona a sociedade na qual foi criado. Portanto, após o segundo encontro ele começou a se preparar para qualquer eventualidade.
– Me parece que você idolatra mais aqueles que nossa deusa amaldiçoa do que ela própria. Que tipo de relação você gostaria de ter com um drider? – perguntou secamente Eclavdra ao jovem mago.
– Pretendo apenas conhecer todos os filhos de nossa deusa, para que assim possamos aumentar o poder de nossa Casa, de nossa cidade e de nossa fé. Afinal, conhecimento é poder, não é Senhora? – respondeu humildemente Sol’al
Com um olhar fulminante da feiticeira, o mago até sentiu como se estivesse sendo queimado vivo.
– O conhecimento prático traz mais poder do que suas anotações incondicionais. Você deveria praticar mais, ao invés de ficar criando calos em sua mão com anotações que provavelmente outros estudiosos já fizeram. – disse rispidamente a feiticeira.
Com a cabeça baixa, Sol’al respondeu:
– Nossas formas de magia são diferente, Senhora. Meu poder baseia-se em conhecimento, portanto para mim o conhecimento teórico deve caminhar junto a experiência prática.
– Espero que seu caminho ao conhecimento não venha desonrar nossa Casa. – disse a feiticeira em tom de ameaça, virando-se e saindo do local novamente.
Enquanto faz as anotações em seu tomo, todos esses ocorridos passam por sua mente. Para se manter preparado, Sol’al recorda algumas magias de proteção que poderiam lhe ajudar caso necessário. Eclavdra não faz a mínima questão de que ele continue fazendo parte da Casa Teken’Th’Tlar e isso cada vez é mais óbvio. Portanto, cada vez mais Sol’al precisa tomar cuidado ao esconder seu “tomo herege” pois, se ela o encontrar, será a prova incontestável de que suas suspeitas estão certas. “Eu quero me tornar um drider”, conclui consigo mesmo o jovem mago enquanto fecha seu tomo e o guarda.
Após lançar algumas magias de proteção para dificultar a acessibilidade ao livro, Sol’al sente uma voz invadindo sua mente:
“Sol’al, encontre-me no hall de estudos. Urgente”, a voz, que o jovem mago reconhece imediatamente, pertence a Jabor.
“Estou indo imediatamente, Mestre”, responde mentalmente o discípulo daquele que acabara de falar.
Caminhando pelos corredores da Casa, que se assemelham a túneis de teias esculpidas em pedras, Sol’al não perde a atenção em seu ambiente enquanto reflete a respeito de como se tornar um drider sem falhar frente a sua amada deusa. Nenhuma resposta surge. O silencio da deusa parece, aos seus olhos, ser um teste a toda sua raça e aos seus seguidores, porém isso dá apenas uma sensação maior de urgência em encontrar uma resposta para suas questões.
Quando chega à porta que dá entrada ao hall de estudos, Sol’al dá dois toques e a abre.
– Com licença, Mestre. – diz ele, entrando com a cabeça levemente inclinada cumprimentando Jabor.
Ao perceber que Jabor não esta sozinho, mas se encontra com o maior mago da Casa: Riklaunim, com a mais poderosa maga Teken’Th’Tlar Akordia e com a própria Matrona Maya Teken’Th’Tlar, ele se inclina ainda mais e cumprimenta a todos:
– Com licença, Senhoras e Mestres. Não esperava vê-los todos juntos. Perdoem meu desleixo.
Riklaunim sorri para a cena que lhe soa no mínimo patética. Akordia apenas observa o recém-chegado, enquanto a Matrona o fulmina com um olhar, voltando-se logo em seguida a Jabor, que está apenas sorrindo.
– Eclavdra tinha razão ao dizer que seu discípulo é no mínimo vergonhoso, Mestre Jabor. – diz Maya secamente.
– Por favor, minha Senhora, não o julgue tão depressa. Lembre-se que o próprio Orghz Q’Xorlarrin o requeriu. – comenta calmamente Jabor.
– Preocupo-me com a imagem de nossa Casa. Lutamos bastante para que ganhassemos o mínimo de reconhecimento que possuimos, não quero que tudo isso se perca a pedidos de um membro de uma Casa Maior. – diz a matrona com um toque de raiva em sua voz – Ele apenas conheceu esse jovem quando era um estudante do Sorcere. Se soubesse que não houve nenhum desenvolvimento de suas capacidades desde então, acredito que não iria requerer seus serviços. A não ser que fosse para acabar com a leve imagem que construímos até o momento.
Enquanto a Matrona da Casa fala, todos os outros ficam em silêncio. Sol’al se mantém com a cabeça baixa, sem se manifestar de forma alguma, como se realmente não estivesse lá.
– Minha Senhora, as capacidades do jovem Sol’al melhoraram muito. Treinei-o pessoalmente. Possuo até mesmo recomendações e elogios por parte das famílias mercantes que tiveram seu auxílio. – diz Jabor alguns instantes depois da matrona ter finalizado seu discurso.
– Você arriscaria sua vida pela confiança que dá às capacidades de seu discípulo, Mestre Jabor? – pergunta Maya enfatizando o começo da pergunta.
Jabor e Sol’al compreendem plenamente o que ela está querendo dizer, mas antes que o mestre de Sol’al possa responder, Akordia entra na conversa:
– Senhora Matrona, muitos dos novos espécimes que adquirimos tiveram participação mesmo que indireta desse jovem. Seus estudos ajudaram muitos de nossos caçadores a conseguir novas aquisições.
– Caçar monstros não demonstra suas capacidades como mago, senhora Akordia. – responde secamente a matrona.
– Muito pelo contrário, Senhora Matrona. – intercepta Riklaunim – Ter como base as anotações desse jovem, demonstra que ele possui uma grande perspicácia e capacidade intelectual. O que é importantíssimo para nós magos.
Maya olha o mago nos olhos e se mantém em silêncio esperando que esse continue.
– Sei que a Senhora possui capacidades de feitiçaria, além de ser uma excelente clériga, portanto creio que compreenda que da mesma forma que os feiticeiros aprenderam a manipular a trama mágica de modo intuitivo e dinâmico, nós magos a manipulamos através do conhecimento que adquirimos. – prossegue Riklaunim.
– Então você está me dizendo que esse jovem tem um grande potencial e habilidades excepcionais graças a sua inteligência e conhecimento? – pergunta incrédula a Matrona.
Riklaunim afirma com a cabeça e Akordia retoma o rumo da conversa:
– Exatamente, Senhora. Esse jovem demonstra grandes conhecimentos e uma imensa capacidade de aprendizado.
Maya Teken’Th’Tlar olha para Sol’al, que se mantém no mesmo local com a cabeça baixa, como se refletisse a respeito de tudo que fora dito a ela.
– Então envie-o para auxiliar os Xorlarrin na investigação ao culto de Lolth pelos escravos. Quaisquer erros e possíveis correções dos mesmos ficam sob sua responsabilidade. – finaliza a Matrona se levantando e saindo do hall.
Após algum tempo da saída da Matrona, Riklaunim e Akordia olham para Jabor.
– Espero que você esteja certo sobre ele, Mestre Jabor. – diz a maga com tom de ameaça.
Sol’al sente a ansiedade e a curiosidade crescerem ao saber que foi escolhido para acompanhar a Casa Xorlarrin na investigação de um possível culto a deusa feito pelos escravos, que tanto a odeiam. “Algo no mínimo curioso”, pensa o jovem mago.