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Outcasts – Livro 1: Párias – Capítulo 12 (parte 4)

            – Então vamos ver quem é a mais poderosa? – Sol’al escuta o que parece ser o final da discussão entre as duas clérigas, vindo em baixo drow da boca da Dyrr.

            Desde que a clériga Xorlarrin chamou a atenção de Alak, as duas clérigas estão discutindo firmemente. Sol’al, do início da discussão até o momento, está apenas observando o embate, sem tomar partido. “Vamos ver quem demonstra mais poder”, observa o mago enquanto reflete qual seria o melhor curso de ação a realizar. Com certeza em sua mente não se passa nenhuma idéia de entrar em confronto com qualquer clériga de Lolth, mas, mesmo assim, ele precisa ser capaz de escolher qual seria mais vantajosa de ter como aliada.

            – Nossa deusa está em silêncio, você sabe disso. – responde a clériga Xorlarrin, obviamente tentando contornar a situação.

            Sol’al sente uma ponta de decepção se misturar com o resto de ansiedade – que ele estava sentindo por ter passado pelo ninho abandonado – ao ver uma atitude medíocre de sua Senhora Xorlarrin.

            – E o que isso importa? Nossa deusa prega a busca por poder, não? Nosso objetivo não é cada vez ser mais poderosas? – inquire a clériga Dyrr, com um olhar ameaçador – Tamanha dependência de suas magias mostra apenas sua fraqueza.

            Sol’al se espanta com o imenso pragmatismo vindo da clériga e sente que seu coração concordou com cada palavra dela e, pelo que ele observa, a Xorlarrin também concordou. Vendo a Dyrr segurar sua maça com a mão direita, Sol’al percebe a Xorlarrin tremendo diante de uma oponente mais forte.

            Por mais que a aparência da Xorlarrin seja mais bela e sedutora, a Dyrr é mais ameaçadora e imponente. O semblante de liderança é facilmente perceptível nessa clériga.

            Sol’al observa a situação esperando uma reação da Xorlarrin, que não surge. Ele olha ao redor para tentar ver o que se passa no semblante de cada um que lá se encontra. Rizzen está apreensivo. “Ele sabe que se sua clériga desistir, será vergonhoso para sua Casa”, conclui mentalmente Sol’al. Alak já percebeu a superioridade da outra clériga e demonstra não estar ligando muito para o embate. O mercenário parece saber que não ocorrerá confronto físico, pois se tivesse alguma chance de ocorrer tal confronto, ele teria que estar preparado para proteger a Xorlarrin. “A não ser que ele quebre seu contrato de proteção. Ou que tenha sido a própria Dyrr que o tenha contratado”, reflete o mago.

            Os inferiores ele nem se preocupa em analisar, mas percebe que todos estão de olho no confronto, menos o goblin musculoso que está na boca do túnel, observando a caverna de onde vem o batuque dos tambores. “O que será que tem naquela caverna?”, se pergunta Sol’al quando sua atenção volta ao embate das servas de Lolth graças a uma forte risada da clériga Dyrr.

            – Patética. – comenta ela, balançando negativamente a cabeça.

            “Arrogante demais para uma líder de um culto herege”, se decepciona Sol’al.

            – Façam o que ela pedir. – diz a clériga Dyrr aos seus companheiros em subterrâneo comum.

            – Como? – o gnoll pergunta – Desculpe, Senhora, mas não entendi o porquê.

            Sol’al olha para a Dyrr, também estupefato.

            – Um confronto com eles seria inútil. Deixe que eles sigam essa tola. – responde ela em goblinóide para o gnoll.

            O mago compreende e resolve esperar para ver. Provavelmente a Xorlarrin irá querer algum tipo de punição para esse grupo e a morte da clériga. Ou talvez não, apenas a morte dos inferiores e a humilhação da herege. “Acho que nem mesmo a Casa Agrach Dyrr se importaria com isso”, comenta Sol’al mentalmente com um sorriso no rosto.

            – Mago, chame o ogro. – ordena a clériga a Sol’al, sem tirar o olho da Dyrr e ainda tremendo – Rápido!

            Sem entender, o mago Teken’Th’Tlar sai correndo em direção a abertura do túnel pelo qual entraram. No caminho, a ordem passa a fazer sentido. “Antes de tentar algo contra o grupo herege, ela parece querer se sentir mais segura. Afinal, o ogro também foi contratado para protegê-la”, raciocina Sol’al, se decepcionando ainda mais com a fraqueza da Xorlarrin. “Se Lolth estivesse ativa…”. Várias possibilidades passam pela mente de Sol’al, e nenhuma muito agradável para a clériga mais fraca.

            – Mercenário! Você está sendo convocado. – grita o mago para Brum, que logo começa a escalar.

            – Virou garoto de recados, maguinho? – pergunta Brum sarcasticamente.

            Ignorando o ogro e sem perder tempo, Sol’al parte de volta para ver se algo está ocorrendo. Ao chegar ele vê a mesma cena, como se nada tivesse mudado. Apenas o goblin musculoso se juntou à roda.

            – Então? O que você vai querer de nós? – pergunta a Dyrr, quebrando o que parecia ser um longo silêncio.

            – Larguem suas armas. – responde a Xorlarrin, ainda com as mãos fraquejando.

            “Até que sua voz está conseguindo esconder o medo e a raiva”, comenta consigo mesmo Sol’al.

            – Façam isso. – ordena a clériga Dyrr aos seus fiéis, com um sorriso no rosto.

            O goblin robusto olha com desconfiança para a clériga de seu culto, mas um olhar confidente por parte dela acaba fazendo com que ele coloque seus machados e sua zarabatana ao chão. A própria clériga Dyrr coloca sua morningstar e seu escudo junto aos machados do goblin e o gnoll deita sua halbert próximo ao monte. Ele espera que a kobold tire algo do seu robe, mas ela nada faz. O mago até pensa em pedir para que a Xorlarrin ordene que a pequena reptiliana jogue fora todos seus componentes mágicos – sim, é perceptível que ela é uma maga ou feiticeira -, mas prefere deixar o culto herege com uma pequena vantagem. Sua lealdade ainda não está tão clara em sua mente, afinal a Dyrr ainda é mais forte que a Xorlarrin, e mais confiante também.

            De trás, o mago escuta os passos ruidosos de Brum. Antes mesmo que esse chegue junto ao grupo a Xorlarrin grita em subterrâneo comum:

            – Ogro, pegue essas armas e cuide delas!

            Sol’al sente a surpresa abrir involuntariamente sua boca. Além de a clériga ter falado diretamente com o inferior, ela ainda utilizou uma língua baixa. “Ela não está com medo, ela está desesperada”, pensa Sol’al. O próprio Brum é pego de surpresa com a ordem e perde alguns segundos raciocinando se o que ele escutou é real.

            Logo que a surpresa passa, Brum vai até o monte de armas e as coloca no grande escudo utilizado pela Dyrr, como em uma bandeja. Porém, ao tentar levantar o escudo, Brum nem mesmo consegue movê-lo, como se tivesse grudado no chão. Sol’al vê a cena e percebe instantaneamente que o escudo é mágico e que a clériga Dyrr já esperava por uma cena semelhante.

            Sem perder tempo, o mago conjura uma magia para detectar objetos mágicos e percebe que não só o escudo o é, mas também os dois machados do goblin e a morningstar da clériga, além da armadura que ela está usando e alguns outros itens que estão em posse dos hereges e dos Xorlarrin. Por curiosidade, Sol’al olha para os mercenários também e reconhece a aura mágica apenas nas espadas de Alak, pois Brum não tem nada mágico com ele.

            “As espadas de Alak… Parecem…”, algo nelas atiça a curiosidade do mago enquanto a conversa ao seu redor prossegue.

            – Deixe o escudo no chão. Pegue as armas. – ordena a Xorlarrin ainda em subterrâneo comum.

            A nova ordem da clériga dispersa a atenção que Sol’al estava colocando sobre a espada de Alak, que ao perceber os olhos do mago em sua direção, escondeu melhor suas duas amigas.

            – Sim, Senhora. – responde Brum, pegando todas as armas no colo e deixando o escudo no chão.

            – Ogro! Qual é seu nome? – pergunta a clériga Dyrr a Brum, fazendo com que Sol’al se espante com a delicadeza da pergunta.

            – Brum. – responde Brum, também espantado.

            – Não fale com ela! – grita a Xorlarrin.

            – Não precisa responder para mim, Brum. Só tenha cuidado com a minha morningstar, pois ela pode te machucar se tocá-la diretamente. – avisa a clériga.

            O olhar da Xorlarrin se enche de ódio pela falta de respeito da Dyrr.

            – Mercenário, cuide deles. – ordena a Xorlarrin a Alak, voltando a conversar em baixo-drow – Diga ao inferior para se afastar da inferior.

            – Sim, Senhora. – responde Alak, enquanto a sua protegida se afasta para a boca do túnel junto com Rizzen. Sol’al os acompanha.

            – Avise-os para não chegar tão próximo da beirada, pois eles podem ser vistos. – Sol’al escuta a Dyrr falar com Alak.

            – Senhora…

            – Não repita o que ela disse. – a Xorlarrin ameaça o mercenário, mas mesmo assim mantém uma certa distância da beirada da boca do túnel.

            Rizzen e ela já estão observando o acampamento quando Sol’al se junta a eles. Ele olha para a grande caverna e vê vários acampamentos. Vários orcs tocando tambores em homenagem a algo. Um draegloth parecendo estar comandando os inferiores. Achando estranho a presença de um draegloth naquele local, o mago se concentra nele e tenta encontrar alguma insígnia ou sinal que denuncie sua Casa. Sol’al não se surpreende quando vê a insígnia dos Xorlarrin segurando a tanga de pele que o meio-abissal usa.

            Com um sorriso de satisfação por ter descoberto parcialmente o que está ocorrendo, Sol’al começa a observar os outros acampamentos. Ele vê orogs, humanos, hobgoblins, goblins, vários de raças inferiores, escravos e livres. O símbolo no centro do acampamento desperta em muito a curiosidade do mago a respeito do que eles estão fazendo naquela caverna, mas quando ele está prestes a se concentrar para decorar os símbolos que estão sendo utilizados, o canto de seu olho prega uma peça.

            “Um drider?”, se pergunta ao ver um vulto passando no acampamento ao lado direito do símbolo. Ele vira-se para ver se é o tal drider aranha espectral que se encontra lá, mas logo ao se virar um estranhamento toma conta de sua mente. Ele vê vários drows tatuados com algo que parecem runas de cor branca, utilizando armaduras que se assemelham a exoesqueletos. Para seu maior assombro, seus olhos se deparam com o drider do qual ele havia visto o vulto. Não é o drider aranha espectral, mas sim um amálgama de drow e escorpião.

            “Por Lolth! O que será isso?”, se pergunta Sol’al, boquiaberto.

Outcasts – Livro 1: Párias – Capítulo 12 (Parte 3)

            Uma leve e quase inaudível batida ritmada é o único som que a clériga Sabal Dyrr está escutando naquele momento. Com todo o silêncio que tomou conta do ambiente, ela até se pergunta se aquela batida é de seu coração.

            Sabal, Mirka e Gromsh – junto aos dois espiões que os seguem – esperam o retorno de Stongest, que adentrou o ninho de um drider, aparentemente abandonado. Já faz algum tempo que Stongest está dentro da pequena caverna, mas sabendo que o meio-goblin-meio-algo é minucioso em seus trabalhos, Sabal não se preocupa em nenhum momento com isso. “Além do mais, provavelmente se houvesse algum drider nesse refúgio, ele já saberia que nós estamos aqui”, pensa a ex-Dyrr. Porém, a clériga se sente apreensiva em saber mais sobre o tal “filho de Lolth”, que nasceu como um drider. A história é bizarra demais para que ela consiga realmente acreditar; mas em nenhum momento ela deixa transparecer sua dúvida.

            – Ele não está mais aqui. – diz Stongest, retornando ao grupo.

            – Então é seguro continuarmos? – pergunta Sabal ao meio-goblin.

            Stongest responde positivamente com um aceno de cabeça. Sabal dá ordens simples com gestos de mão. Gromsh e Stongest vão à frente. Ambos já sabem que há algo ocorrendo no final do túnel adiante, pois as batidas, para eles, são claramente batuques de tambores. Mirka vai logo em seguida, já preparando feitiços de invisibilidade em sua mente, e relembrando uma ou outra magia de proteção contra qualquer possível ataque de seus acompanhantes. Sabal é á última, preferindo ficar mais próxima dos dois espiões.

            Eles caminham pela caverna cheia de teias, e o som dos batuques fica cada vez mais alto e distinguível. Algo está sendo realizado mais a diante. Um ou outro grito é escutado entre os batuques. “Gritos de louvor”, é o que parece a Sabal.

            Quanto mais eles caminham, mais altos ficam os sons. Quanto mais próximos eles chegam da boca do túnel, mais é perceptível que há algum tipo de acampamento ou cidadela na caverna adiante. Gromsh demonstra um grande espanto ao chegar furtivamente na boca do túnel, dizendo alguma frase em seu dialeto natal, não reconhecível por seus companheiros. Stongest logo se aproxima.

            – Encont’amos os o’cs. – diz ele quase sussurrando, fazendo com que Sabal tenha que aguçar seus ouvidos para escutá-lo direito.

            Sabal caminha vagarosamente para perto dos dois guerreiros, mas logo para quando Stongest faz um sinal para ela esperar.

            – Tentem não se ap’oxima’ tanto, há to’es de vigias p’óximas. Temos que toma’ cuidado pa’a não se’mos vistos.

            A ex-Dyrr continua ainda vagarosa, apenas para ter uma vista geral do que está ocorrendo. Ela consegue ver uma caverna gigantesca, na qual caberia, sem grandes problemas, uma pequena cidade drow. Vários acampamentos tomam conta do chão da caverna, e vários escravos – pelo que parece – trabalham na lapidação de algumas pedras preciosas do tamanho de cabeças de humanóides médios e as carregam para ornar um imenso símbolo – aparentemente arcano – que se encontra no centro do local. Próximo ao símbolo, uma grande criatura chama a atenção de Sabal.

            – Um Draegloth. – pensa ela em voz alta, mas sussurrando e vendo a criatura dar ordens a alguns orcs e hobgoblins que se encontram enfileirados. Observando mais atentamente o meio-abissal, percebe a insígnia de uma Casa. Ela respira fundo e tenta focar mais sua visão, para que possa ver sem ter que se aproximar mais da boca do túnel. “Xorlarrin”, suas suspeitas começam a fazer sentido agora. Provavelmente os Xorlarrin perderam o controle do meio-abissal, que acabou liderando a fuga dos orcs. “Para qual propósito?”, se pergunta Sabal.

            Sabal dá três passos para trás, considerando essa uma boa oportunidade para conversar com o tal Alak abertamente.

            – Me parece que suas respostas estão aqui, Alak. – diz Sabal em subterrâneo comum com o tom de voz habitual, não muito alto, mas audível o suficiente para ser bem compreendido.

            Ninguém responde de imediato, mas Sabal prefere esperar um pouco antes de tentar um novo convite. Sem muita demora, uma voz masculina surge há alguns metros atrás da clériga:

            – O que vocês encontraram?

            Não há nenhum constrangimento ou falsidade na voz do mercenário. “Pelo que parece, ele não está ligando para o que seu companheiro está pensando”, pensa Sabal.

            – O acampamento orc. – responde a clériga, sorrindo e olhando na direção de onde o eremita surge.

            Sabal se surpreende ao ver Alak. Ela não esperava que o drow que estava seguindo seu grupo fosse tão alto e não usasse uma piwafwi.

            – Rizzen, pode aparecer. Nós sabemos que você está aqui. – diz o eremita antes de prosseguir com a conversa – Poderia me aproximar, Senhora?

            – Claro. – responde Sabal fazendo um gesto amigável para que Alak vá até Gromsh e Stongest.

            – Se cê só tava esperando um acampamento orc, cuidado para não cair pra trás. – Sabal escuta Gromsh falando com Alak, enquanto ela observa o túnel esperando que o tal Rizzen se mostre, o que não demora muito.

            – O que vocês fazem aqui? – pergunta o guerreiro Xorlarrin a Sabal.

            – Um tanto mal educado você, não? – responde a clériga – Na sua Casa não ensinam os machos a serem mais respeitosos com as clérigas de Lolth?

            Rizzen deixa seu sorriso habitual tomar o rosto e responde cinicamente:

            – Desculpe, minha Senhora. Agora você poderia me dizer o que fazem por esses túneis?

            Sabal ri com a atitude de Rizzen.

            – Claro. Estamos em busca do filho de Lolth e vocês? – o tom de Sabal continua amigável.

            – Vaherun?

            Sabal ri ainda mais.

            – Que tal você responder antes?

            – Estamos atrás dos orcs desse acampamento. Não é óbvio? – Rizzen responde com arrogância, sem receio de punição.

            – É. Pelo que parece os Xorlarrin não ensinam bons modos a seus machos. – responde Sabal, deixando o sorriso de seu rosto se desfazer e fixando um olhar gelado no guerreiro – Ponha-se em seu lugar.

            A clériga segura firmemente o cabo de sua morningstar e começa a se aproximar do Xorlarrin.

            – Me desculpe, Senhora Dyrr. – diz ele ao ver o emblema da Casa de Sabal em seu escudo – Não irei repetir tal erro.

            Sabal tenta se controlar, mas não consegue segurar o riso.

            – Terminemos a conversa por aqui, pois desse jeito acabarei chamando a atenção de seu parente peludo ao explodir sua cabeça com minha arma. – diz ela ainda rindo e virando suas costas para o guerreiro Xorlarrin, sem ver a expressão de desgosto que toma conta de seu rosto.

            Ela sabe que Rizzen teria uma grande vantagem em atacá-la nesse momento, mas também sabe que ele não o faria por dois motivos: o primeiro porque ele está desconcertado demais para pensar em fazer algo, o segundo porque ele está em uma tremenda desvantagem numérica para agir tão estupidamente.

            Sabal vê na boca do túnel: Gromsh, Stongest e Alak. O mercenário e o guardião parecem estar analisando tudo e todos que estão no acampamento, enquanto o gnoll parece estar apenas de vigília.

            – Gostou da resposta, Alak? – pergunta a clériga sorrindo ao mercenário.

            Sem se virar ele responde:

            – Interessante…

            – Então encontrou seus “amigos”, herege? – Sabal, Alak e Gromsh viram-se simultaneamente ao ouvirem a voz da clériga Xorlarrin. Mirka já estava vigiando a retaguarda e por isso não se surpreendeu com a chegada.

            – Parece que alguém resolveu dar as caras, ao invés de apenas mandar espiões. – Sabal desafia a Xorlarrin não só com palavras, mas com um olhar penetrante.

Outcasts – Livro 1: Párias – Capítulo 12 (Parte 2)

            O túnel possui alguns poucos vestígios da passagem de aranhas grandes o suficiente para devorarem um drow sem problemas. Não que isso surpreenda de alguma forma Sol’al e a clériga Xorlarrin que o acompanha, afinal, quem estaria mais acostumado com esses aracnídeos que um estudioso que se encaminha para se tornar um aracnomante e uma clériga de Lolth, a Rainha das Aranhas? Porém, os vestígios são antigos. “Ao que parece, os aracnídeos ou o aracnídeo deixou esse lugar faz um tempo”, conclui Sol’al, olhando para algumas poucas teias que se encontram no chão do túnel e evitando, tal como a clériga, tocá-las.

            Ao dividir o grupo, a clériga Xorlarrin decidiu que o mercenário Alak fosse seguir o grupo herege e o ogro mago ficasse na imensa caverna até ser chamado, enquanto ela, Rizzen e Sol’al iam pelo outro túnel; no qual Sol’al e a Xorlarrin se encontram no momento. Quando Alak já não se encontrava mais na presença deles, ela ordenou que o assassino Xorlarrin o seguisse. Portanto, Sol’al e a clériga estão sozinhos, algo que o mago Teken’Th’Tlar considerou um tanto esperado, considerando uma das últimas conversas que ele teve com ela. Apenas não sabe ainda se a situação é preocupante ou não.

            – Sei que você está conosco por causa de Mestre Orghz Q’Xorlarrin, que pediu auxílio a sua Casa. – Sol’al se surpreende ao escutar a Xorlarrin falar abertamente sobre a situação, mesmo que o tom de voz dela seja um tanto ácido.

            O mago para de analisar as teias e olha para os pés da clériga, como habitualmente.

            – Sim, senhora. – concorda brevemente, imaginando se esse será o momento em que ele descobrirá as verdadeiras intenções da Casa Maior.

            – Não imaginei que você viesse a ser útil. Acreditava que seria apenas um empecilho, mas os últimos fatos têm me provado o contrário. – a clériga continua, virando as costas para ele, e volta a caminhar pelo túnel.

            Sol’al reinicia sua caminhada sempre atrás dela.

            – Entretanto, gostaria que você realizasse um serviço para mim. De forma alguma confio nos dois mercenários e tenho meus motivos para isso. – Sol’al lembra da carta enquanto a Xorlarrin prossegue seu discurso – O que você seria capaz de fazer para eliminar o ogro mago?

            A clériga para e vira-se em direção ao mago. Esse prossegue olhando para os pés da clériga, em sinal respeito.

            Na mente de Sol’al passam-se vários feitiços, porém cada vez que um surge, ele relembra da relação Brum e armadilhas. Por um tempo ele fica em silêncio, imaginando o que poderia ser feito, mas nenhuma idéia surge em sua mente: o ogro mago é extremamente resistente.

            – Senhora, eu não saberia como pará-lo. Acredito que seja mais fácil parar Alak, e vocês darem cabo no ogro. – diz ele com tristeza em sua voz, por não ser capaz de satisfazer uma clériga de Lolth.

            Sol’al escuta a respiração da Xorlarrin se alterar. “Ela se decepcionou”, pensa ele. Definitivamente a respiração dela demonstra que a raiva está surgindo, mas sendo contida.

            – Imaginei. – diz rispidamente.

            Sol’al tenta pensar em alguma forma de contornar a situação. Ele começa a observar o túnel, “Talvez alguma descoberta que auxilie a busca dos Xorlarrin possa fazer com que eu não perca a confiança dela”. Porém, fora as teias velhas, nada mais parece chamar a atenção naquele túnel.

            – Talvez conseguíssemos colocar os dois mercenários em confronto com o outro grupo. Digo, o grupo de hereges. – diz o mago Teken’Th’Tlar, enquanto continua a analisar o túnel.

            A Xorlarrin vira suas costas novamente para o mago e continua sua caminhada enquanto responde:

            – Estúpido. Não daria certo.

            Sol’al não compreende o comentário da clériga e muito o menos o porquê ela descartou tão rapidamente sua idéia, mesmo considerando que ela realmente não tenha sido das melhores. O mago coloca a culpa na raiva do momento e ignora o comentário, pois entre aquelas teias ele começa a reconhecer um padrão. Percebendo que todas se assemelhavam a alarmes, Sol’al começa a entender algo do que se passou naquele túnel. Ele observa atentamente as teias de perto e vê que seu tecido e a forma com que foi trançada pelas fiandeiras da aranha, se assemelha a teia de uma aranha espectral. Uma espécie de aranha que possui um corpo marrom avermelhado e translúcido – motivo pelo qual recebe esse nome – , e é capaz de injetar em sua vítima um veneno que dissolve os orgãos internos do alvo, tornando-o um saco de comida apetitoso. Sol’al traz todas essas características em sua mente e prossegue a análise: suas teias costumam ser caóticas, como o da maioria das aranhas venenosas. Uma única aranha espectral seria capaz de matar um humanóide médio – se picasse no local certo, pois o veneno não atinge uma área tão imensa. O efeito externo é semelhante o da picada da aranha marrom: a região envenenada necrosa, porém a área afetada é bem maior no caso da aranha espectral. O mago sorri, pois é estranho ver vestígios de aranhas espectrais nesse nível do Underdark, já que elas são encontradas apenas no Lowerdark.

            Enquanto analisa as teias, a clériga para e olha em direção ao mago, apenas para ver o sorriso bobo do estudioso tornar-se uma boca engruvinhada de medo e a pele do drow tornar-se pálida.

            – Mago? – a clériga pergunta, um tanto apreensiva.

            Sol’al olha nos olhos da clériga, esquecendo completamente a etiqueta. Não haveria nenhum problema se aquilo fosse a teia de uma aranha espectral, mas aranhas espectrais possuem um tamanho máximo equivalente ao polegar de um drow. Nunca uma ou várias aranhas espectrais seriam capazes de tecer uma teia daquela espessura.

            – Senhora, estamos próximos do ninho de um drider. – sussurra Sol’al.

            A Xorlarrin observa ao seu redor se preparando com sua maça, esperando por qualquer coisa que possa ocorrer, até que ela relembra:

            – Essas teias estão aqui faz tempo, mago. Provavelmente não há mais nenhum drider aqui.

            – Ou talvez essa seja sua forma de agir… – complementa Sol’al, sentindo toda palpitação de ansiedade pela possibilidade de ver mais um drider.

            Todo seu medo de um drider que possua o corpo de uma aranha espectral foi substituído por uma grande excitação. “Um drider aranha espectral! Que arma perfeita! Que espécime magnífico deve ser”. Sua mente flutua entre pensamentos diversos sobre o mesmo tema. Tanto que ele até se esqueceu que estava conversando com a clériga Xorlarrin.

            – Mago? “Sua forma de agir…”? – pergunta a clériga, começando a se irritar novamente.

            – Er… Desculpe, Senhora. – responde rapidamente Sol’al, retomando o foco – Ele pode estar fingindo que abandonou seu território, para que criaturas que consigam encontrar seus vestígios não acreditem que ele se encontra no local até o momento oportuno para atacar sua vítima. Driders não são seres que atacam frente a frente. Eles preparam um ambiente propício para um ataque furtivo, matando a vítima, na maioria das vezes, antes que essa possa ter chances de reagir. Para criar esse ambiente, eles costumam desenvolver minuciosas estratégias que permitam distrair seus oponentes. Na maioria das vezes, um refúgio de um drider possui alarmes mágicos e físicos, além de armadilhas e algumas espécies de guardiões e/ou vigias.

            O mago para e olha o espaço como se ponderasse:

            – Provavelmente, se o drider ainda se encontra nesse seu ninho, ele possui a intenção de nos fazer acreditar que esse local está vazio, para que abaixemos nossa guarda e nos distraiamos ao nos considerarmos seguros.

            – Mago. – diz a clériga estupefata, chamando a atenção de Sol’al – Se houvesse um drider aqui, ele já haveria nos matado enquanto você discursava.

            Sol’al se sente estúpido por ter deixado sua excitação tomar conta na frente da Xorlarrin, mas logo retoma como se não houvesse dito nada anteriormente.

            – Precisamos checar se não há nada morando nesse ninho, Senhora. – sugere, de cabeça baixa, o mago Teken’Th’Tlar.

            – Faça isso. – concorda a clériga, sem irritação nenhuma na voz.

            “Pelo menos meu discurso serviu para acalmá-la”, se justifica Sol’al mentalmente. Sem que a Xorlarrin perceba, Sol’al tira um pequeno lagarto de dentro de sua piwafwi, que é usada como um manto.

            – Vá e descubra se há alguma criatura nesse ninho. Tome cuidado. – sussurra o mago Teken’Th’Tlar ao seu diminuto familiar e o deixa caminhar rapidamente pelo chão.

            Sol’al senta-se em posição de meditação e finge estar entrando em algum tipo de transe. A clériga Xorlarrin continua procurando algum vestígio de driders, preparada para qualquer eventualidade. Sol’al sente que seu familiar está calmo e, mesmo após algum tempo de procura, em nenhum momento sentiu medo ou qualquer outra emoção preocupante. Aliviado Sol’al se levanta e dirige-se à clériga:

            – Está vazio. Nada ameaçador, minha Senhora.

            – Ótimo. – responde a clériga – Então vamos parar de perder tempo.

            – Sim, Senhora. – reponde o mago caminhando ao lado da clériga, enquanto seu familiar retorna para baixo de sua piwafwi subindo por sua perna. “Grato, meu servo”, agradece Sol’al.